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Miguel Sanches Neto

A terceira edição do Paiol 2007 contou com a presença de Miguel Sanches Neto

Miguel Sanches Neto foi o terceiro convidado da temporada 2007 do Paiol Literário, projeto realizado graças a uma parceria entre o Rascunho, o Sesi Paraná e a Fundação Cultural de Curitiba. A partir de uma pergunta inicial — qual a importância da literatura na vida cotidiana? —, formulada pelo jornalista Paulo Camargo, mediador deste encontro, Sanches Neto falou sobre a importância da leitura em sua vida, a infância no interior do Paraná, o ambiente literário brasileiro, de seus livros, entre outros temas. Confira alguns momentos do bate-papo.

Violência na sétima série
Sou o único caso de pessoa que começou a ler porque bateu em alguém. Foi a primeira vez em que a violência formou um leitor. Eu estudava na sétima série, e era um hábito na minha cidade (Peabiru, no Norte do Paraná) apagar o quadro para a professora. Para fazer aquele carinho. Eu estava apagando o quadro para ela quando um amigo me empurrou. Bem, tenho sangue espanhol. Violentamente, eu me virei e dei um murro na cara dele. Cortei a boca desse meu amigo. E, logicamente — isso foi nos anos 70 —, fui mandado para a diretoria e, dali, para a biblioteca da escola, de castigo, para fazer um trabalho, copiar um capítulo qualquer de um livro didático de Estudos Sociais. Foi a primeira vez em que entrei numa biblioteca e tive contato com um livro. Eu nunca tinha visto um livro de literatura antes da sétima série. Lia livros didáticos. E tinha acesso a alguns textos literários nos livros didáticos que a gente recebia. […] Mas o meu primeiro contato com o livro mesmo, aconteceu porque bati num outro aluno, num amigo.

Situação torta
A partir desse contato inicial, convivi com a biblioteca de forma muito assídua na minha cidade. Uma cidade muito pequena, de 13 mil habitantes (já teve 25 mil). Não tinha muito que fazer por lá. Sempre fui um adolescente muito problemático. Sempre em conflito com a família, com meus amigos. Não sabia jogar futebol. Não tinha habilidade com a música. E não queria trabalhar nem na roça nem na cerealista que meu padrasto tinha. Então eu ia para a biblioteca. Comecei a ler numa situação muito torta. Não fui à biblioteca para ler, mas acabei começando e me tornando leitor. Depois aquilo virou uma válvula de escape. Qualquer coisa que acontecia, eu ia ler na biblioteca. E minha mãe, muito ingênua, dizia: “Olha como esse menino estuda”. Mas eu não estava estudando. Estava lendo. E me tornei um leitor. Eu já tinha escrito poemas no Dia das Mães, no Dia da Pátria — essas coisas que escrevemos quando temos essa idade. Mas foi lendo naquela biblioteca pública que comecei a acalentar a idéia de um dia ser um escritor sério, alguém que tivesse realmente uma formação.

Se eu não tivesse passado por essas experiências de leitura, provavelmente teria ficado na minha cidade, teria me tornado agricultor. Ou estaria trabalhando no comércio. Talvez não tivesse nem saído de lá. Mas o contato com a literatura me instigou o desejo de conhecer outros lugares, de viajar, de conhecer outras formas de viver.

O John Boy de Peabiru
Minha vida mudou completamente. Meu norte passou a ser me formar leitor. Então, a importância da leitura na minha vida foi fundamental. Se eu não tivesse passado por essas experiências de leitura, provavelmente teria ficado na minha cidade, teria me tornado agricultor. Ou estaria trabalhando no comércio. Talvez não tivesse nem saído de lá. Mas o contato com a literatura me instigou o desejo de conhecer outros lugares, de viajar, de conhecer outras formas de viver. E o interessante é que isso aconteceu mais ou menos na mesma época em que compramos nossa primeira televisão. Meu padrasto tinha comprado uma tevê de segunda mão, em preto-e-branco, mas que funcionava direitinho. E, nela, eu comecei a assistir alguns programas que me foram fundamentais. Um deles era Os Waltons, uma série norte-americana que tinha um personagem escritor, John Boy, o narrador do seriado. John Boy ia para uma cidade grande — Nova York, eu acho — e contava a história de sua família, uma família de agricultores de um pequeno lugarejo nos Estados Unidos. De certa forma, acabei encarnando aquilo como um papel meu: sair da cidade e ser um escritor. John Boy foi meu super-herói. Não foi o Superman. Até hoje eu brinco com minha filha, Camila, de 12 anos. Na hora de dormir, eu sempre lhe digo: “Boa noite, Mary Ellen”. E ela responde: “Boa noite, John Boy”. Todas as noites, o John Boy vai dormir.

Coelho e Canarinho
No ginásio, a gente tinha duas disciplinas. Eu detestava as duas: Técnicas Caseiras e Técnicas Agrícolas. Em Técnicas Caseiras, tentaram me ensinar a bordar, a fazer crochê e bolo. Mas não tenho coordenação motora fina. Acho difícil até amarrar sapato; minha mãe é que fazia isso para mim. Então, no ginásio, eu abominava essas disciplinas. Queria disciplinas que me revelassem o mesmo mundo que eu estava descobrindo na literatura. Por punição, acabei tendo que fazer o Colégio Agrícola, no internato em Campo Mourão (PR). Lá, comecei a fazer leituras um pouco mais sistemáticas, mais ordenadas, por conta de uma professora de português que me trazia livros. Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz. Tive um grande amigo lá, o Valdir Heitor Barzotto (doutor em Lingüística pela Unicamp). No Colégio Agrícola, todo mundo tinha um apelido. O do Valdir era Canarinho; o meu, Coelho. Então, foi o Canarinho que me disse: “Olha, você também gosta de ler, tem uma tendência para Humanas. Por que você não vai fazer Letras?”. Foi um pouco por ele — que também fez Letras — que acabei me direcionando para o magistério.

O profissional
Foi no Agrícola que comecei a imaginar a possibilidade de ser um escritor profissional. Ser um escritor profissional é ser um escritor que escreve sistematicamente. Que está dentro do mercado. Isso me ocorreu mais ou menos no final do Colégio Agrícola. Mas, antes de me tornar escritor, tive que passar por muitas experiências. Tentei ser técnico agrícola no Mato Grosso. Não deu certo. Morei numa fazenda, onde fui cozinheiro. Também não deu certo. Foram várias experiências até eu vir para Curitiba, onde assumi meu papel de escritor. E esse deslocamento — sair de uma cidade pequena, no interior, e vir para uma cidade grande, Curitiba — foi uma experiência fantástica. Esse processo de deslocamento me fortaleceu ainda mais. Porque fiquei ainda mais solitário, mais isolado. E trabalhei sistematicamente para ser um escritor. […] Tenho uma visão fatalista das coisas. Gosto muito de um poema do Leminski que diz assim: “Não discuto com o destino, o que pintar eu assino”. Não deu certo isso? Então, vamos fazer outra coisa. Até que a literatura deu certo.

Na cidade do Dalton
Graciliano Ramos foi a primeira grande influência que eu tive. Mas meu estilo não tem nada a ver com o dele. Graciliano é seco. Nele, não há espaço para emotividades. É uma coisa muito travada, no bom sentido. Lendo Graciliano, descobri que podia escrever sobre experiências periféricas — que eram as experiências que eu tinha. A Rachel não me influenciou muito, mas o Drummond e o Bandeira, sim. Dos poetas, foram os que mais me tocaram nesse período. Um período em que eu lia “salteado”. Um livro de um autor, outro de outro. Mas a grande experiência, para mim, e que acabou me trazendo a Curitiba, foi ler Dalton Trevisan. Quando o li, fiquei abismado. Não entendi nada. O primeiro livro dele que li foi Cemitério de elefantes. E não entendi nada. Achei aquilo tão diferente do linear, do que eu estava acostumado a ler. Era uma literatura cheia de lacunas e vazios, cheia de ironias, de humor e, ao mesmo tempo, de perversidade. Foi um choque para mim. E aí comecei a ler todos os livros dele. Quando tive a opção de sair do interior, eu podia ir para São Paulo — na época, a maioria das pessoas ia para lá. Era Maringá, Londrina ou São Paulo. Eu já estava formado (me formei trabalhando na roça e no sítio do meu padrasto e estudando ao mesmo tempo). Mas vim para Curitiba, já formado em Letras. Ou, como gosto de dizer, já “deformado” em Letras. A gente não se forma, se deforma. Quando vim para cá, queria vir àquela cidade revelada na obra do Dalton. Vim morar na Curitiba dele. Era o que mais me atraía aqui. Foi um momento muito importante para minha formação como escritor.

Homens vermelhos
Também foi importante quando comecei a ler Domingos Pellegrini. Nos anos 70, no começo dos 80, ele era um contista cultuadíssimo. E os livros dele revelavam toda uma região. Li O homem vermelho, Os meninos crescem, Paixões. Livros que me influenciaram muito. O homem vermelho tem um conto que se passa na região onde eu morava, na época. Foi também uma revelação muito importante. Descobri que se podia fazer literatura sobre Curitiba. Eu lia Machado, lia outros escritores, e a impressão que eu tinha — como aluno de escola pública, pouco informado, numa família onde a maior parte das pessoas ou tinha uma escolaridade muito baixa ou era analfabeta —; a impressão que eu tinha era a de que só se podia escrever falando do Rio de Janeiro, de Nova York, de São Paulo. De Porto Alegre, por causa do Erico Verissimo. E do Nordeste, que era e continua sendo um dos grandes mitos da literatura brasileira. Mas não imaginava possível escrever sobre o Paraná. Quando descobri o Dalton, vi que era possível escrever sobre Curitiba. E, com o Domingos, vi que era possível escrever sobre aquela minha experiência de menino numa família de agricultores em Peabiru. Duas descobertas muito grandes.

Linguagem transitável
Depois disso, quem influenciou muito o meu estilo foi o Hemingway. Com aquela escrita muito próxima da fala, da linguagem comum, jornalística, do dia-a-dia. Aí, eu chego ao ponto: o que aprimorou meu estilo foi escrever para jornal. Foi uma coisa importante. Tem muito escritor que não gosta, que tem bronca de jornal. E eu não consigo me ver sem escrever para jornal. A maior alegria que tenho como escritor é escrever minha crônica para a Gazeta do Povo. É uma experiência muito boa. Ela sai espontaneamente. Não tenho trabalho nenhum com ela. Fico três, quatro, cinco dias pensando num assunto. Na hora em que sento para escrever, ela sai muito espontaneamente. A experiência do jornal, para mim, foi fundamental para que eu tivesse essa linguagem, digamos assim, mais transitável.

Duas Curitibas
Quando vim para Curitiba, não reconheci a cidade do Dalton. Porque vinha um pouco deslumbrado. Acabei vivendo um pouco na superfície de Curitiba. Mas, aos poucos, fui vivendo e reconhecendo essa outra cidade, que o Dalton retrata tão bem. Descobri, então, as duas Curitibas, se é que a gente pode dizer isso — o Leminski dizia que eram várias as Curitibas que cabiam dentro de Curitiba. Mas pelo menos essas duas, a oficial e a subterrânea, do Dalton, eu viajei. E reconheci, ao longo dos anos, muito do que o Dalton retrata em seus livros. A partir de 1993, passei a ter algum contato com ele e essa sua Curitiba me ficou ainda mais visível, mais clara. Tenho perseguido muito essa Curitiba, freqüentado determinados lugares, bares que o próprio Dalton freqüentou. No começo, eu achava que o Dalton não existia, que era um mito. “Dalton Trevisan não existe, não dá entrevista, nem sei se esse cara está vivo.” Eu tinha um amigo aqui, que hoje está em Maringá, que me dizia: “Deixa de ser bobo. Eu vejo o Dalton todo o dia na Rua 15 (de Novembro, tradicional calçadão no Centro da capital paranaense)”. “Mas não pode”, eu dizia. E o meu amigo: “Ele anda com uma jaqueta assim, assim”. Então, quando eu podia, passava pela 15 procurando o homem de jaqueta preta que seria o Dalton Trevisan. Depois, fiquei sabendo que ele freqüentava a extinta Confeitaria Schaffer (também na Rua 15). Às cinco da tarde, ele tomava chá por lá. E eu ia à confeitaria tentar vê-lo. Fui perseguindo o Dalton até entrar em contato com o escritor. E convivi algum tempo com ele. Hoje, não mais. Mas persegui muito essas duas Curitibas. Uma delas, vivi naturalmente: é a que a gente vive todo dia. Agora, a outra, a do Dalton, eu persegui, li muito sobre ela. O Dalton me falava, por exemplo, sobre o Newton Sampaio (1913-1938), um escritor nascido em Tomazina (PR). Fui atrás dele. O Dalton me falava sobre a versão de João Ferreira de Almeida (1628-1691) da Bíblia. E eu fui ler essa versão. Fui tentando cercar, entender um pouco mais essa outra Curitiba, que é a que vai ficar na cartografia literária. Não que outras Curitibas não estejam para surgir, com outros escritores, mas a do Dalton já está na cartografia literária. Ela já existe. É subterrânea, mas é maior que a Curitiba viva, porque vai ficar. Já é definitiva. Na literatura mundial. O Dalton não pertence mais à literatura brasileira.

Antivampiro
Acho que escrevo tanto — e faço tantas outras coisas — por ter insônia. Tenho uma dificuldade muito grande para dormir. Acordo muito cedo. Às quatro da manhã, todos os dias. Inclusive, sábado, domingo e Natal. Não consigo dormir. Não faço isso porque quero. Tomo Valium 10 e, mesmo assim, tenho dificuldade. Mas isso me ajudou um pouco, porque faz sobrar tempo para escrever. Jamil Snege dizia que sou como os pardais que acordam antes do nascer do sol e ficam incomodando a vizinhança toda. Sou um escritor que lê e escreve de manhã, principalmente. A casa está parada, a cidade está parada. A família não exige nada. Não toca o telefone. Não há nenhum tipo de exigência cotidiana entre as quatro e as cinco da manhã. Hoje, cumpro oito horas diárias na UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa). Então, tenho que fazer tudo antes das oito. E ainda me sobra tempo para fazer uma hora de atividades físicas. Levo uma vida muito sedentária. Então, entre as seis e as sete, faço minhas atividades físicas. No meu quarto, há uma parede de vidro que dá para o nascer do sol. E nunca ele me pegou deitado. Sempre levanto antes do sol. Tenho uma coisa com a manhã. Para mim, ela é muito estimulante. Sou o antivampiro. Ou o vampiro da madrugada. É nesse momento que eu escrevo.

Coisa obsessiva
Não sofro diante da escrita. Nunca tive problemas de bloqueio. Só sento para escrever quando realmente a coisa já está funcionando na minha cabeça há muito tempo. Durante minhas caminhadas, eu escrevo muito, sem escrever nada. Fico pensando no que fazer com determinado livro. No banho, muitas vezes queimo as costas. Esqueço de tudo e fico debaixo do chuveiro, pensando num livro, num conto, numa crônica. Então, quando sento para escrever, escrevo muito rápido. Depois, fico reescrevendo e limpando o texto, mas a escrita, para mim, não é uma situação de sofrimento, como para muitos escritores, amigos meus. Isso não quer dizer que a minha literatura seja melhor que a deles. Simplesmente, cada um tem o seu jeito. Acabo fazendo muitas coisas porque a escrita da literatura não me toma todo o tempo. Não vivo 24 horas para ela. E leio em qualquer lugar. Tenho livros no quarto, na biblioteca, na sala. Tudo meio espalhado pela casa. E há livros que permitem leituras interessantes. Estou lendo os diários de Bioy Casares sobre o Borges. São 1,6 mil páginas. Estão lá, do lado da minha cama. Antes de dormir, leio duas, três páginas. Agora, há outro problema: no domingo à tarde, comecei a ler A pista de gelo, do chileno Roberto Bolaño (ele faleceu há pouco tempo, em 2003, e é a grande coqueluche do mundo, autor de Detetives selvagens). E continuei a lê-lo durante a noite. Não conseguia parar de ler. Lá pelas onze, me deitei. À uma e meia, acordei e fiquei lendo o Bolaño até amanhecer o dia. Então tenho uma coisa um pouco obsessiva com o trabalho, com a leitura e a escrita.

A leitura utilitária, a que serve a um fim específico, não forma leitores. Pode formar um bom aluno, um bom engenheiro. Mas não forma um leitor desinteressado.

O “autor do momento”
Sempre leio quatro, cinco livros ao mesmo tempo. Porque há livros que são de leitura mais lenta. Que você quer aproveitar mais. Um diário, por exemplo, você não consegue ler do começo ao fim. Tem um tom um tanto monótono. Então, gosto de lê-lo durante cinco, seis dias, uma hora por dia, e paro um pouquinho. É uma leitura com a qual não tenho nenhum compromisso; é mais tranqüila. Mas sempre tenho um “autor do momento”, de quem tento ler tudo. Até um tempo atrás era o Isaac Bashevis Singer, um escritor judeu-polonês que se naturalizou norte-americano, de quem li quase tudo. Faltam um ou dois livros. Ter esse autor do momento ajuda muito. Porque você já sabe o que vai ler depois. Tem gente que se pergunta: “O que eu vou ler agora?”. Eu já tenho aquele escritor de quem estou comprando toda a obra; está lá guardadinha para eu ler.

Sonho cosmopolita
Quando me pego, já estou escrevendo sobre algo do passado. Não é proposital. É aquilo que Walter Benjamin, falando de Proust, chamou de memória involuntária. Alguma coisa acontece no meu dia-a-dia e me remete a determinado tempo. E acabo fazendo uma crônica, um texto sobre aquilo. Coisas bobas. Por exemplo: um dia, eu vinha andando pela rua e começou a chover. E senti o cheiro da chuva, o cheiro do pó sendo apagado pela chuva na minha infância. Peabiru era uma cidade muito poeirenta. É poeirenta até hoje. E quando chovia, aquele cheiro era doce. Então, o cheiro da terra sendo apagada, molhada pela chuva, me deu a compulsão de escrever um conto. Fui correndo escrevê-lo porque me lembrei de todo um universo a partir daquela memória olfativa, daquele passado. Não é que eu queira escrever sobre minha infância. Até não quero. Muitos dizem que sou um escritor autobiográfico. Mas todo escritor é autobiográfico. A gente escreve a partir de nossas experiências. Até um romance histórico, escrevemos a partir de nossas experiências. Mas eu gostaria de superar essa fase. Meu sonho, hoje? Gostaria de morar um ou dois anos numa grande cidade. Para poder ter outro tipo de experiência, de vivência. Meu sonho hoje é viver em Madri, em Barcelona, no Rio. Mas não quero fugir daqui. Minhas contas estão em dia, não estou precisando fugir do Paraná, por enquanto. Mas tenho essa obsessão agora: ter uma experiência cosmopolita. Talvez isso pudesse me libertar um pouco da temática da infância, da adolescência, do interior.

Idade Média
Meu padrasto veio do Sul de Minas, sua família viveu isolada do mundo por muitos anos, como se vivia na Idade Média. Tudo era feito em casa. O sabão era feito em casa. Nada se comprava. E ele passou isso para a gente. Foi assim até a televisão chegar lá em casa, quando começamos a mudar de hábitos. Então, vivi uma infância que não é própria da minha geração. Uma infância em que tudo acontecia como na infância do meu padrasto e na do pai dele. Eu conto coisas em que as pessoas não acreditam, mas que vivi de fato.

Fuga frustrada
Eu vinha dos livros Chove sobre minha infância e Hóspede secreto, obras que têm muito de experiência autobiográfica. Tentei fugir um pouco disso num romance histórico. Um amor anarquista foi um exercício de alteridade. Uma tentativa. Mas uma tentativa frustrada, porque a Colônia Cecília era uma colônia agrícola. Então eu a descrevi como se ela fosse Peabiru. Não é. Mas como é que se planta milho? Eu sabia, porque tinha plantado milho. Como é que se vive num lugar daquele, como é o pôr-do-sol de lá? Aquela experiência agrícola é toda autobiográfica, embora o livro seja histórico. O enredo é muito fiel à história. Nele, só existem duas personagens criadas por mim. Uma é a prostituta Maria Malacarne. Há boatos de que Giovanni Rossi, o idealizador da colônia, contratava prostitutas na cidade para servir aos anarquistas. Isso eu ouvia das famílias de descendentes da Colônia Cecília. No começo, era muito homem e pouca mulher, trabalho duro, comida pouca. Então, criei essa personagem que não existe, embora existam essas informações. E a segunda personagem criada por mim é outra prostituta, Narcisa. Rossi fala dela nos documentos sobre a colônia, mas não cita seu nome. Então, inventei um nome para ela. São essas as duas personagens que não têm nome de registro. Se vocês forem ao cemitério da Colônia Santa Bárbara, em Palmeira, vão encontrar os nomes dos outros personagens nos túmulos de lá. São absolutamente reais. Nesse livro, tentei me livrar um pouco da autobiografia, mas não consegui. No livro que acabei de terminar, e que está na editora, um romance demipolicial, também tentei fugir do universo da minha infância. Mas, desgraçadamente, seu narrador é um professor de literatura.

Leitura utilitária
A educação, para nós, é marcada por um pragmatismo muito grande. É “aprender para”. Para ser um bom profissional, um bom contador, um bom engenheiro. E, daí, os conteúdos são “aplicados”. Você aprende aquilo que vai ter uma aplicabilidade imediata na sua vida de cidadão ou na sua vida profissional. Resumindo de uma forma grosseira, é a educação como um caminho apenas para a gente conseguir um emprego. Isso é o maior entrave que temos para as políticas de leitura. Porque a leitura não tem uma aplicabilidade imediata. Até pode ter. Nós lemos porque temos que saber nos posicionar diante de situações cotidianas. Isso é a leitura como ferramenta. Mas a leitura desinteressada, aquela em que você lê para nada, só para deleite, para a realização pessoal, para a sua melhoria como ser humano (não que você vá ficar mais bonzinho e só fazer as coisas certas: melhorar como ser humano significa conhecer-se melhor, com todos os seus tormentos e fantasmas); essa leitura, enfim, não é colocada em pauta nas políticas educacionais. Por mais bem-intencionadas que elas sejam, essas políticas tendem a achar que a educação deve resolver um problema imediato das pessoas. Bartolomeu Campos de Queirós, um escritor infanto-juvenil de Minas Gerais, diz que a escola “utilitariza” tudo. Tudo, na escola, vira utilitário. E a leitura utilitária, a que serve a um fim específico, não forma leitores. Pode formar um bom aluno, um bom engenheiro. Mas não forma um leitor desinteressado. A crise da leitura passa por nossa concepção de escola, de educação. É uma educação que não se dá ao luxo de passar conteúdos que não terão aplicações nem amanhã, na prova, nem depois de amanhã, quando você for um profissional.

A religião de Miguel
A leitura desinteressada poderia ficar por conta das bibliotecas. Um programa de bibliotecas que funcionasse no Paraná e no Brasil poderia dar conta disso. E, daí, numa coisa temos que tirar o chapéu para o Governo Requião: foi feito aqui um projeto interessante, o Biblioteca Cidadã. São bibliotecas instaladas em pequenas cidades, e que estão investindo em acervos e prédios novos. Bibliotecas bonitas. A biblioteca tem que ser um espaço agradável, bonito. Ela não pode ser um sótão, um fim de corredor onde abandonar os livros, como se eles não tivessem importância alguma. Então, tem que ser criado um projeto de bibliotecas no Brasil. Para poder suprir essa carência que as escolas deixam. Acredito muito na biblioteca. Se eu tenho uma religião é a religião da biblioteca.

Literatura paranaense: um resumo
Não existe um fio condutor entre os escritores paranaenses. O que existe no Paraná, o que nos dá uma pequena sensação de identidade, é uma maneira muito particular de olhar as coisas e uma tendência para o texto breve. Essa tendência estava no Newton Sampaio, na década de 30; está, hoje, no Dalton; estava no Leminski e no Jamil Snege. Temos essa tendência para o texto mais curto. (Eu sou uma exceção; tenho uma tendência mais verborrágica.) Mas é algo comum entre nós. O haikai, aqui, se deu muito bem. Porque nossa tendência é a brevidade. E isso é extremamente moderno. Tem favorecido a literatura paranaense num momento em que os gaúchos, por exemplo, são mais extensos. […] Sem nenhum demérito para nenhum dos lados. Mas Ítalo Calvino coloca a brevidade como uma das grandes características da modernidade. E isso tem favorecido a literatura produzida no Paraná. Mas somos muito diferentes. Domingos Pellegrini e eu, que somos do Norte do Paraná, por exemplo. Nossas literaturas, embora tenham pontos que se comunicam, são bem diferentes. Pouca gente tem uma literatura parecida com a do Jamil Snege, embora ele seja breve e irônico como o Dalton. Mas é totalmente diferente. Não temos uma identidade como têm o nordestino e o carioca. São Paulo também tem um pouco de identidade, tem a questão do cosmopolitismo, da cidade que experimenta mais coisas. Nós não temos uma identificação entre os escritores paranaenses; mas temos boa literatura, e bastante diversa. Como comparar Domingos Pellegrini e Valêncio Xavier? Do ponto de vista estilístico e de concepção, são muito diferentes. Isso acontece porque nós tivemos uma concepção múltipla. Somos a colonização mais multifacetada do Brasil. Ponta Grossa é um exemplo disso. Houve por lá franceses, ingleses, russos, alemães, poloneses, italianos, nordestinos. E uma população negra também. Uma mistura tão grande que tornou impossível a gente ter uma cara, mesmo na literatura. Identidade é muito uma invenção da gente. Uma construção que a gente faz. Hoje não se fala muito de identidade regional. Acho o Paraná uma espécie de resumo da literatura produzida contemporaneamente. De tudo, temos um pouco.

Quem influenciou muito o meu estilo foi o Hemingway. Com aquela escrita muito próxima da fala, da linguagem comum, jornalística, do dia-a-dia. Aí, eu chego ao ponto: o que aprimorou meu estilo foi escrever para jornal. Foi uma coisa importante. Tem muito escritor que não gosta, que tem bronca de jornal. E eu não consigo me ver sem escrever para jornal.

Perversidade local
Newton Sampaio já reclamava disso. Dalton Trevisan, numa entrevista histórica concedida ao Luiz Vilela, em 1968, para o Jornal da Tarde, de São Paulo, reclamava disso. Dizia que o lugar que menos lê suas obras era Curitiba. Hoje, acho que ele já é bastante lido aqui. Mas confesso que não partilho dessa preocupação e desse discurso. Não me afeta. Nunca pensei muito sobre isso. Existem públicos mais ou menos ligados à produção local. O gaúcho é muito ligado à sua produção local. E eu me pergunto até que ponto isso não seria nocivo: ler não porque determinada literatura tem valor, mas porque essa literatura fala sobre sua região. Há aí um certo bairrismo, uma certa identidade um pouco forçada. Então, não reclamo do público de Curitiba ou do Paraná. Nós somos mais introvertidos. Temos dificuldade até para reconhecer pessoas que admiramos. Isso é próprio da nossa cultura, aqui no Sul do Paraná, principalmente. Mas existe público para a literatura paranaense, sim. E o público para a literatura é pequeno em qualquer lugar do mundo, isso é indiscutível. Os best-sellers atingem muitos leitores, mas, no geral, o público para a literatura é pequeno. Num estado pequeno como o nosso, é claro que os paranaenses serão menos lidos que os outros. É natural. Não acho que seja uma perversidade local. Quando vim morar em Curitiba, falava-se muito da “autofagia curitibana”. Diziam que todo mundo que faz sucesso além do Rio Atuba não é reconhecido na cidade. Confesso que nunca senti isso na carne.

Humanidade de cachorra
Gostaria de ter criado todos os personagens de Vidas secas, de Graciliano Ramos, livro da minha obsessão. Mas, principalmente, gostaria de ter criado a cachorra Baleia. É uma personagem fantástica. Extremamente humana. Uma cachorra que tem o nome irônico de Baleia no sertão, um lugar que não tem água, uma cachorra que morre num final dramático e sonha com um paraíso cheio de preás. Uma personagem genial. Já pensei várias vezes em escrever um romance só sob o ponto de vista dela — como já fizeram com a Capitu. O que a Baleia pensava sobre tudo aquilo, sobre aquele universo todo? É claro que não vou escrever esse livro. Mas é uma personagem muito forte para mim, justamente por não ser humana e ser, ao mesmo tempo, tão humana. Agora, o livro que eu gostaria de ter escrito — e que todo escritor brasileiro gostaria de ter escrito — seria Dom Casmurro. Acho que todo escritor brasileiro sonhou um dia em ser autor de Dom Casmurro. Um livro muito forte. Não gosto de nenhum personagem específico, não tenho nenhuma paixão por eles, mas o livro como um todo me agrada muito.

Uma Ponta Grossa subterrânea
Uma história engraçada sobre Ponta Grossa. Eu vinha muito de Peabiru a Curitiba, de ônibus. Principalmente nos primeiros anos em que morei aqui, quando tinha aquele desejo de voltar, ver a família e os amigos. Ainda não tinha amigos na cidade, havia deixado todos em Peabiru. Minha namorada, hoje minha mulher, também morava lá. E, quando o ônibus parava em Ponta Grossa, bem de madrugada, eu tinha um pânico. A rodoviária era muito feia — graças a Deus, ela foi destruída. Não temos uma nova, ainda vai ser construída. Mas por causa daquela rodoviária, eu nunca tinha pensado na hipótese de morar em Ponta Grossa. E continuava a morar em Curitiba. […] Em 1992, terminei meu mestrado em Florianópolis — e estava desempregado. No mesmo dia, minha mulher foi demitida no serviço e, para comemorar, fomos para Peabiru. Para comemorar a demissão dela, e não a minha defesa do mestrado. Lá, vimos uma matéria que falava de um concurso na UEPG para Literatura Brasileira, minha disciplina. Estudei um mês, passei. Fui à Ponta Grossa com o objetivo claro de morar nela. Tenho muitos amigos que dão aula lá e moram aqui, porque Ponta Grossa é relativamente perto de Curitiba. Cem quilômetros. Mas fiquei por lá (fiquei um período aqui, também, quando trabalhava na Imprensa Oficial, mas voltei). Gostamos da cidade, minha mulher, minha filha e eu. Tenho um grande grupo de amigos em Ponta Grossa. E gosto muito do pôr-do-sol da cidade. De caminhar por lá. Não é uma cidade bonita, vamos ser bem sinceros. É uma cidade feia. É muito acidentada. Topograficamente, não é bonita. Mas gosto muito dela. Descobri lá uma outra cidade, como a Curitiba do Dalton, aqui. Freqüento determinados bares. Descobri uma cidade subterrânea em Ponta Grossa.

Verde diferente
Ser escritor em Ponta Grossa só foi possível por conta da internet. Por conta de você poder, hoje, estar no mundo através do seu computador. Mas, de vez em quando, me vem a idéia de sair de Ponta Grossa. Há uns dois anos, um amigo do Rio me convidou para dar aulas numa universidade de lá. Mas não me vejo morando definitivamente em outro lugar. Ou é Ponta Grossa ou é Curitiba. Me identifiquei. Embora eu viva escrevendo sobre o Norte, sobre Peabiru e sobre minha infância, eu me sinto muito bem no Sul do Paraná. E eu não sabia por quê. O Leminski tinha uma frase ótima sobre isso. Ele foi para São Paulo e voltou. Não deu certo. E disse que o pinheiro é uma árvore que não se transplanta. Se transplantar, ele morre. Só fui para a Europa duas vezes, para a Espanha. Uma vez, voltando de lá, eu me perguntava: “Por que gosto do Paraná?”. É uma pergunta besta. Mas por que o Paraná? E descobri que é por causa do verde que temos aqui. O avião vinha chegando de dia, e eu vi todo aquele verde. E me deu um bem-estar ver aquele verde diferente do verde de todos os outros lugares.

Longe das intrigas
Importante para um escritor é ter tempo para ler e escrever. Ponta Grossa me deu isso: um emprego e tempo para ler e escrever. E ela também me afasta um pouco da vida literária, que é muito cheia de intrigas. Quando vou ao Rio de Janeiro — o que faço com certa freqüência, já que minha editora é de lá —, sempre ouço meus amigos falando que na casa de tal escritor aconteceram tais intrigas. Felizmente, em Ponta Grossa estou longe de tudo. O Dalton brincava, na época em que eu fazia crítica para a Gazeta do Povo, dizendo que só é possível fazer crítica literária em Ponta Grossa ou em Nova York. Porque em Ponta Grossa você está longe dos autores. Não sofre nenhuma pressão. Todo mundo quer espaço, quer aparecer, e os espaços são poucos, são pequenos. E, em Ponta Grossa, vivo fora disso tudo. Não tenho uma relação de adoração pela cidade, mas ela também não é de conflito.

Constrangido na casa de D. Joãozinho
O único manifesto que assinei na vida, assinei por constrangimento. Não tive como não assiná-lo. D. Joãozinho (surfista e fotógrafo), um dos descendentes de D. Pedro II, tem uma casa em Parati onde costuma oferecer um almoço a vários escritores, assim que começa a Flip (Festa Literária Internacional de Parati). No ano passado, fomos almoçar lá. Eu estava numa mesa com o Assis Brasil e o Milton Hatoum. E aquele escritor turco, Tariq Ali, tinha escrito um manifesto contra a intervenção dos Estados Unidos no Oriente Médio em geral. Vi que esse manifesto estava passando e tentei escapar dele, porque realmente nunca me posiciono fora do que escrevo. Quer dizer, me posiciono no que escrevo. Tomo posições claras, polêmicas. Já sofri represálias por causa de minhas posições. Mas tenho pavor de assinar manifestos ou de colocar meu nome numa coisa cuja utilização futura eu não conheço. E esse manifesto, enfim, chegou à minha mesa: “Assina”. Eu fui ler e disseram: “Não precisa ler, nós já lemos. Assina, assina”. E o Tariq Ali do lado. O Tariq Ali estava ali. E a coisa ficou de tal jeito que eu, em pânico, assinei. Depois me arrependi, amargamente. Porque vi o quanto sou covarde. Tenho coragem de escrever no meu computador, sozinho. Ali, eu tinha que dizer que não assino manifestos. Como de fato não assino. Mas aconteceu isso, o que não muda nada. Continuarei não assinando manifestos. A não ser que seja constrangido de novo, na casa de D. Joãozinho.

Não sofro diante da escrita. Nunca tive problemas de bloqueio. Só sento para escrever quando realmente a coisa já está funcionando na minha cabeça há muito tempo.

O caso lusitano I
Sou muito impulsivo na hora de escrever, então acabo escrevendo coisas que não devo — mas que expressam o que penso. Então, nos últimos anos, tenho passado meus textos para minha mulher, para que ela faça as primeiras leituras. Pelo menos das crônicas. Eu as leio para ela ou ela as lê. “Não estou ofendendo ninguém?”, pergunto. O texto sobre os portugueses ela não leu. Mas o dos argentinos, ela liberou para publicação. E os dois foram muito polêmicos, mesmo. Não era minha intenção, em nenhuma das vezes, fazer polêmica. Por isso eu fiquei meio assustado. Porque quando estou falando alguma coisa aqui e alguém me questiona, posso matizá-la um pouco mais. “Não é bem isso que eu quis dizer…” Mas o texto, não. Ele está lá e acaba assumindo significados que não são os seus significados intencionais. Com os portugueses, aconteceu o seguinte: a revista Carta Capital me mandava lançamentos de escritores portugueses. Eles me mandavam um livro e perguntavam: “Topa fazer a resenha desse livro?”. Eu lia 30, 40 páginas. E dizia que não. “Mas por quê?” E eu: “Por causa disso, disso, daquilo”. Daí me mandavam outro, 15, 20 dias depois. “Aceita fazer a resenha desse livro?” “Não, por causa disso e daquilo.” E eu ia dando as minhas justificativas. Até que o Maurício Stycer, que era o meu editor, me disse: “Miguel, produza um texto dizendo por que é que a literatura tem tais e tais características”. Eu, bestamente, achei ótima a idéia. E, numa dessas madrugadas, escrevi sobre o assunto. O meu editor adorou e publicou o texto. Nele, eu dizia que, na literatura portuguesa, há um movimento de financiamento de livros para serem publicados no Brasil. Então, existe um estímulo. Com isso, as editoras brasileiras estão publicando muitos portugueses. E eu perguntava o porquê disso. Portugal, hoje, é um país rico, que tem muitas empresas no Brasil e que tem interesse em que seus autores sejam lidos aqui. Tudo isso é legítimo. Mas está criando a falsa onda de que a literatura portuguesa é a grande literatura do momento. E escrevi mais ou menos isso. Citei alguns autores e um texto fantástico do Dante Milano — um poeta modernista desconhecidíssimo — chamado Horror ao ideal e outros horrores.

O caso lusitano II
Dante Milano dizia que a língua portuguesa de Portugal é totalmente diferente da do Brasil. São duas línguas. A de Portugal é mais formal, mais erudita. A nossa é mais espontânea, mais falada. A nossa língua literária vem mais da fala. Com raras exceções. São índoles diferentes, dizia o Milano. Temos uma língua portuguesa mais próxima do cotidiano. E Portugal, mais formal. Traduzindo: eles precisam de mais palavras para dizer o que dizemos com menos palavras. E eu perguntava se isso não seria uma influência complicada para os brasileiros. Porque estão tentando unificar as duas línguas, mas os portugueses, quando publicados no Brasil, exigem por contrato que não se altere uma única acentuação, uma única linha do que eles escrevem. Quando nós somos publicados em Portugal, somos “traduzidos”. Porque, claro, somos uma “língua menor”. E eu falava tudo isso, tentando fazer essa reflexão: será que a literatura portuguesa é a literatura do momento? Eu acho que a literatura do momento é a hispano-americana. Roberto Bolaño está aí. Bem, e isso tudo foi publicado. Por azar, estava acontecendo uma semana de literatura portuguesa no Rio de Janeiro. E lá estavam os principais autores que eu citava no texto. A semana era produzida pela editora do caderno de cultura de O Globo, e a minha editora, a Record, era uma de suas patrocinadoras. Tinha autores da Record lá. E a revista saiu bem no dia da abertura do evento. Aí, criou-se um problema seriíssimo. O embaixador de Portugal no Brasil escreveu uma carta e eu tive que respondê-la. Depois disso, dois jornais de Lisboa escreveram sobre o assunto. O Diário de Notícias abriu duas páginas para a polêmica. Eu achei ótimo porque me colocavam assim: “Importante escritor do Brasil…” Então precisei que os portugueses reconhecessem o meu talento. Mas não tinha essa intenção e me expliquei. Já sofri represálias. Já me disseram que nunca serei publicado em Portugal. Não serei “traduzido” para Portugal. E também perdi o Prêmio Portugal Telecom. Foi bem no ano em que eu estava concorrendo. Então, esse foi o caso português. O argentino foi pior.

O caso portenho
Ganhei um prêmio de amizade Brasil-Argentina e fui para lá. E traduziram um livro meu na Argentina. E me deixaram uma semana num bom hotel, com minha mulher. Me levaram a bons restaurantes. Fui muito bem-recebido pela embaixada brasileira. Mas comecei a observar alguns comportamentos… Para a gente, do interior, Buenos Aires é a Europa na América Latina. E eu fui para lá com essa expectativa. Já tinha ido antes, mas… Comecei a observar que não era bem aquilo. Que Buenos Aires é uma grande cidade, belíssima. Mas é tão latino-americana como a gente. Tem os mesmos problemas que a gente tem. A presença dos bolivianos, os trabalhos irregulares… Tem uma série de problemas. E eu quis fazer uma brincadeira, sem fazer crítica nenhuma, dizendo que existem duas Buenos Aires. Fiz uma crônica muito em cima daquela idéia do Dalton, das duas Curitibas, a que eu viajo e a que me viaja. Não quis, em hipótese alguma, criar polêmica. Imagina: eu tinha ganhado um prêmio bom — 12 mil dólares —, tinha sido traduzido. Comprei lá um monte de livros. Sou leitor de todos os escritores argentinos, até dos mais jovens. Não tinha intenção de fazer polêmica. E não fiz. Na primeira semana após a publicação da crônica (na Gazeta do Povo), não deu nada. Na segunda… Acho que alguém começou a passar o texto por e-mail. E todos os dias eu recebia um e-mail me xingando. Me xingando. Até tirei do ar o meu site. […] Mas não foi a minha intenção. A literatura argentina até me influenciou muito mais do que a portuguesa. Não digo que a portuguesa não presta, mas a argentina me influenciou muito mais. Cortázar, Borges, Ricardo Piglia, César Aira, Bioy Casares — leio muito. Não tinha intenção de polemizar. Mas é claro: quando alguém vê impressa uma crítica a uma cidade, escrita por uma pessoa que foi para lá, mas que não a conhece direito, tende a achar que aquele autor odeia aquela cidade. Mas não tenho nada contra.

Reações à polêmica
Jornalisticamente, isso é muito bom. Culturalmente, é muito bom. Mas você tem que ter um preparo psicológico para enfrentar isso. Um preparo que eu não tenho. Me fragilizo muito diante de uma situação de crítica agressiva; quando alguém me xinga, diz que vai queimar meu livro, que eu não devia ter nascido. Coisas dessa natureza. Isso me machuca muito. Fico um pouco em pânico. Mas minhas posições, até como crítico literário, sempre foram um pouco polêmicas.

Livros que vendem valores
O papel da minha literatura é trabalhar com a matéria que me é dada. A matéria que me é dada, humana, é a que entra na minha literatura. E a tendência da literatura brasileira é trabalhar com essa matéria que está aí, com esse homem nacional, que, infeliz e preponderantemente, é a personificação do malandro. Dois grandes personagens, o Leonardo, do Memórias de um sargento de milícias, e o Macunaíma, são os dois protótipos desse malandro que o Antonio Candido estuda naquele seu ensaio sobre a dialética da malandragem. Mas é o escritor trabalhando com a matéria humana. Não há outra coisa. Não posso tentar modificar um comportamento ou criar um modelo, porque esse modelo será apenas uma versão moralista minha, uma versão de quem o está criando. Eventualmente, é claro, aparecem personagens extremamente íntegros. Como a Vitória, de Vidas secas. Uma mulher íntegra. Mas não porque o Graciliano quis fazer uma mulher íntegra, mas porque havia espécimes como ela no meio em que ele circulou. A gente trabalha com o que existe. O grande problema da literatura é querer mudar o mundo. Se você quer mudar o mundo, fará um literatura um pouco fora da realidade, idealista demais. E sobre a literatura não recai tanto esse peso de ser formadora. Sobre a infanto-juvenil, sim. Mas a literatura em geral, não tem esse peso. E a literatura contemporânea brasileira é totalmente fora dos padrões que posso imaginar como corretos, certos, moralmente recomendados. E vai ser assim sempre, eu acho. Porque enquanto o ser humano for assim, a literatura vai trabalhar com esse material. Não tem escapatória. Tenho medo da literatura que queira vender valores. Porque ela acaba falseando. Ela pode até ser um valor, mas tem que ser um valor espontâneo, e não criado. Alguns escritores, hoje, tem a tendência de escrever um pouco messianicamente. Acho perigoso. Não quero fazer isso. Pode até ser que algum personagem meu assuma um papel formador, mas eu fujo disso. A grande literatura foge disso.

Senhora poesia
Tenho o nítido projeto de não escrever mais poesia. Mas sou um grande leitor de poesia. Continuo lendo poesia. E nunca vou deixar de ler. Ela é fundamental para mim. […] Mas realmente perdi a mão. A poesia é a mais ingrata das artes, porque exige uma prática diária, uma dedicação plena, exclusiva. Isso eu fui perdendo. Durante dez anos, fui um leitor e escritor de poesia sistemático. Tinha cadernos, trabalhava. E isso eu perdi. Até recentemente eu escrevi uma poema chamado Não, isso não é um poema, em que eu dizia: “Essa senhora poesia já não me visita mais”. Então, não tenho a intenção de escrever. Mas pode ser que no futuro eu modifique essa minha postura. Domingos Pellegrini escreveu muita poesia nos anos 70. Nos 80, fui falar com ele sobre isso. E ele: “Nunca escrevi poemas”. E eu: “Mas já li poemas seus, em revistas”. “Nunca, nunca escrevi poemas.” Passaram-se, sei lá, dez anos, e ele já está publicando todos aqueles poemas que escrevia escondidinho. Publicou o livro Gaiola aberta, com os seus sonetos. Talvez eu também cometa esse pecado e no futuro venha a publicar alguma coisa que tenha escrito nesse meio tempo. Mas, nos últimos dois anos, escrevi dois poemas. Por acaso. Tenho feito o seguinte: a experiência poética que adquiri, tento passar para a prosa. Mesmo quando escrevo uma crônica, tento usar técnicas poéticas. […] Mas escrever poemas, mesmo, não me passa mais pela cabeça. Não sei dizer por quê. Parece que a senhora poesia não me visita mais.

O mistério da memória
Tem coisas que você não conta — ou que conta pelo meio. Coisas de que você não se lembra. É o grande mistério do ser humano. O mistério da memória. Por que guardamos certas coisas na memória e outras não? Freudianamente, diríamos que bloqueamos tudo o que vai nos incomodar. Mas não. Tem coisas que me incomodam violentamente e são guardadas por mim; e tem coisas importantíssimas na minha vida das quais não me lembro mais. Não sou um memorialista tradicional, típico. Sou um ficcionista que usa o material da memória. E, aí, é tudo editado mesmo. Você faz a escolha. Publiquei o livro Chove sobre minha infância em 2000. É a história da minha vida e, nele, todas as pessoas têm seus nomes reais. Minha mãe, meu padrasto, minha tia. Enquanto lia o romance, minha mãe dizia: “Não. O Miguel esqueceu isso aqui, não foi bem assim. Isso aqui ele não contou. Faltou contar aquilo”. É claro: o processo de escrita de um romance pressupõe cortes e acréscimos, senão não seria um romance. Isso eu fiz deliberadamente. Melhorei algumas questões. Principalmente o meu desempenho sexual. Para não passar feio. Aumentei o número de minhas namoradas. Tem uma até que não foi minha namorada. Fui apaixonado por ela, mas ela não foi minha namorada. Depois do livro, porém, ela se intitula minha ex-namorada. É a ficção alterando a realidade. Concretizei o namoro pela palavra escrita.

Vale o que está escrito
Meu padrasto — que é o vilão do Chove sobre minha infância — leu a metade do livro num final de semana. E eu sempre ligo para casa aos domingos. Liguei. Ele pegou o telefone e me disse: “Você me destruiu neste livro. Tenho vergonha de sair na rua”. Porque o livro traz, inclusive, as fotos da minha família. Fui perverso. E ele falou: “Você me destruiu. Não tenho como enfrentar as pessoas depois de tudo o que você disse”. Aí, paciência. “Escrevi o que eu pensava: é a minha leitura, não é a verdade”, eu disse. E ele: “É, mas a sua está escrita. A minha não”. Ponto. Passou uma semana, liguei de novo. Com medo de que meu padrasto atendesse. E ele atendeu. E disse: “Olha, terminei de ler o livro”. Estava alegre. “No penúltimo capítulo, você melhora a minha imagem. Fica por isso mesmo. Está tudo ok”. Hoje, ele é um dos maiores divulgadores do meu livro em Peabiru. Esse livro é um sucesso total por lá. Vendeu dois exemplares, mas a cidade inteira já leu. Um passa para o outro e para o outro… Sempre que vou lá, pergunto: “Na casa de quem está o livro agora?”. E tem uma história ótima com o Wilson Martins, de quem sou muito amigo. Eu disse a ele: “Wilson, olha que maravilha: a literatura melhorou o meu padrasto. Hoje, temos uma relação muito boa por conta desse meu romance”. E o Wilson, com a sua experiência: “Nada disso, você está equivocado. Ele só quer aparecer bem no seu próximo romance”.

O espaço da imaginação
A leitura me deu algo fundamental — e que eu não tinha —: a capacidade de imaginar outras formas possíveis de se viver. Numa cidade pequena, com poucas opções — e mesmo numa cidade grande, como Curitiba —, a gente tende a ser massacrado pela realidade. Eu fui muito massacrado pela realidade. Minha infância foi muito dura. Meu padrasto tinha uma visão muito cruel da existência humana. Ele achava que éramos seres feitos para o trabalho braçal e não admitia que qualquer dos seus filhos tivesse outra vocação que não aquela. Trabalhei como braceiro, carregando sacos em armazéns aos 16 anos. Meu padrasto achava que isso forjava nossa identidade. Nessa época, já estávamos numa situação um pouco melhor — então, eu não fazia aquilo por uma necessidade financeira. Era pela necessidade de “se formar homem”, digamos assim. Trabalhei na roça. As profissões que a gente tinha como opção eram todas braçais. Eu tenho até carteira de motorista de caminhão. Mas só entrei num caminhão, para dirigi-lo, quando tirei a carteira. Mas era exigência da minha família que os homens tivessem carteira de motorista de caminhão, porque aquela podia ser uma profissão para a gente, no futuro. E, dentro desse universo em que a realidade nos solicitava muito, a literatura era o espaço da imaginação. E, como espaço da imaginação, aquilo era a coisa de que eu mais precisava naquele momento. Viver outras experiências pela imaginação. E a literatura então supriu isso. Entrou na minha vida para me desligar daquele universo e me dar outras vivências possíveis. […] Essa é a sacada da literatura: ela permite que você vivencie pela imaginação coisas que não viveria de outra forma. Isso é o que me atraiu nela. Uma sociedade que não lê é uma sociedade que se contenta com a realidade. Que mata a possibilidade do sonho.

Tenho essa obsessão agora: ter uma experiência cosmopolita. Talvez isso pudesse me libertar um pouco da temática da infância, da adolescência, do interior.

Capital-tempo
Não basta você ler um livro, é necessário que esse livro o leia. Há livros que não me lêem, mas que podem ler outra pessoa. Por isso a literatura é tão variada: porque existem gostos e possibilidades para tudo. Em alguns casos, sou obrigado a ler por obrigação. Quando me proponho a escrever uma resenha, tenho que ler um livro mesmo que não goste dele. Não posso parar na décima página. Mas quando leio desinteressadamente, paro quando percebo que aquilo não está me agradando. Muitas vezes, paro já na fotografia do autor na capa do livro. Quando ele quer parecer muito inteligente, aquilo já me irrita. A qualquer momento, podemos parar de ler um livro que não nos agrade. Pode ser até um livro meu. Não agradou? Pare. Não é nenhum pecado de lesa-cultura. Nem todos os livros foram escritos para nós. Aliás, tenho que dizer essa frase de outra forma: raros são os livros que foram escritos especialmente para nós. Quando você descobre esse filão é como se descobrisse um filão de ouro, você vai atrás de outro e outro e outro. Vai atrás desses livros que foram escritos para você. Ninguém tem a obrigação de ler os clássicos, por exemplo. Eu adoro. Mas você vai lê-los se tiver vontade. E você tem os seus clássicos, que não são iguais aos meus. […] Agora, há livros ruins que não são chatos e que a gente lê até o final. Para ver como acaba. Você chega ao final e diz: “Que livro ruim!”. […] Mas abandonem os livros, inclusive os meus, assim que eles ficarem chatos. Vocês não perdem nada com isso. O maior capital que nós temos é o tempo. E temos que aproveitar bem o capital-tempo.

Chá das cinco com o vampiro
Escrevi um romance em 2002. Na época, eu estava muito magoado com uma série de coisas. Esse livro me custou muito em termos de investimento emocional, psicológico. E também em termos de investimento de tempo. Na época, eu trabalhava num cargo público. E, para poder escrever esse livro, eu dormia no escritório. Coloquei um sofá-cama lá. Levantava bem de madrugada e ficava até amanhecer escrevendo. Quando terminei, mandei o livro para as editoras. Primeiro para a minha, a Record. A editora que tem a coragem de me publicar. E me disseram: “Não podemos editar esse romance porque ele tem chaves de leitura. Determinado personagem pode ser a pessoa tal aí no Paraná, outro personagem pode ser a pessoa tal”. A editora me disse que não poderia publicar o livro porque uma dessas pessoas era um autor da própria editora. Não podia? Tudo bem. Como sou um espanhol teimoso, saí batendo de porta em porta. Fui a várias editoras, conversei com amigos. E todos me disseram — isso em 2003 — que não era para eu publicar aquele livro. Que era polêmico demais. Que ele ia estragar o meu nome. Então desisti de publicá-lo. E ele ficou na gaveta. Passados dois anos, um editor de São Paulo conseguiu uma cópia do romance e me ligou dizendo que o publicaria a qualquer momento, que assinaria até a orelha do livro. E eu disse não. Recentemente, há três ou quatro meses, um editor do Rio esteve aqui em Curitiba. Almocei com ele. E ele me falou: “Vou levar esse livro para leiloar no Rio. Ele já tem preço de leilão, está virando um pequeno mito”. E eu também disse não. A Folha de S. Paulo me propôs publicar alguns capítulos do romance no caderno Mais. Também não aceitei. Então, tenho um problema para administrar hoje: esse livro. Preferia não tê-lo escrito, confesso. Porque se eu já o tivesse escrito e publicado, a coisa já estaria morta em 2003. Não fiz isso, não deu certo. Depois, me arrependi de tê-lo escrito. Porque ele está virando um mito. É o “livro que faz a grande crítica de Curitiba”, “aos escritores de Curitiba”. Criou-se um mito que é maior do que o próprio livro. Quando eu publicá-lo, ele não corresponderá ao mito. Se eu publicar o livro agora, quando o mito ainda não está muito grande, as pessoas vão dizer: “O cara só guardou isso para criar polêmica e vender mais”. Então eu saio mal em qualquer situação. Já me passaram várias coisas pela cabeça. Publicar 200 exemplares por uma pequena editora, só para fazer o livro circular. Mas isso seria mais polêmico ainda. Diriam que fiz isso só para chamar a atenção. Então vou publicar e doar os direitos autorais para alguma entidade. Mas também diriam que estou fazendo isso só para chamar a atenção: “Doou os direitos para que fizessem matérias sobre ele”. Não vejo saída para esse livro. Mandei uma cópia dele para um amigo meu no Rio, um grande colecionador. “Guarde isso” eu disse. “Um dia, quando eu morrer, você faz o que quiser com ele.” Mas ele perdeu a cópia, no computador. Minha chance aconteceu no dia 28 de dezembro do ano passado, quando arrombaram minha biblioteca e roubaram meu computador, com todos os arquivos. Infelizmente, eu tinha uma cópia do livro, impressa e em CD. Ele está lá. Não sei o que fazer com ele. Não quero publicá-lo porque pode parecer oportunismo. Se eu jogar fora esse romance, aumento o mito em torno dele. Enfim, está lá. Talvez eu o publique no futuro. Mas não tenho vontade. O livro se chamava Chá das cinco com o vampiro. Hoje, chama-se só Chá das cinco. Tirei o vampiro.

Deformado em Letras
Brinco que sou deformado em Letras porque uma formação em literatura não é como as outras. Não é como ser formado engenheiro, ou técnico. Em Letras, você trabalha muito com os seus fantasmas. Você passa a ter uma visão muito particular do mundo. […] Minha relação com a academia é de conflito. Quero que a universidade dê mais literatura, e a universidade dá mais conteúdos técnicos. Mesmo no curso de Letras, temos teoria, lingüística e uma série de conteúdos técnicos. E a carga horária para a literatura é muito pequena. Ela ainda é ocupada pela teoria da literatura, o que afasta muito os alunos de Letras da literatura. De tal forma que fiz mestrado em literatura com pessoas que eram formadas em Letras, faziam mestrado em literatura e que diziam não gostar de literatura. Estavam ali para discutir teoria, e não literatura. Esse talvez seja o grande pecado do curso de Letras. É um lugar onde se lê pouca literatura. Sou um deformado porque li muita literatura onde geralmente se lê pouca. Apesar disso, tenho um respeito muito grande por esse curso. Ele me dá o sustento. Sou um professor de carreira. Atuo na universidade. Sou professor de literatura brasileira. Nunca dei teoria literária. Insisto na leitura. E acho que a universidade, sim, pode mudar essa questão da leitura.

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